Querido Diário:

Há certas preocupações centrais na minha vida que não consigo ultrapassar. Por exemplo: tenho medo que a comida não chegue. Ou que esteja salgada. É por isso que quando janto em casa de amigos sou sempre eu a cozinhar. Não é altruísmo. É desconfiança. Os meus amigos sabem disto e perdoam-me, somos todos gajos porreiros. E uma boa acção é uma boa acção, mesmo que praticada com más intenções.

Também tenho medo de: ser assaltado, não ter onde cagar, não ter papel, tomar demasiados cafés, meter conversa, não ter piada, aborrecer-me, apanhar chuva, ter frio.

Tenho é inveja daqueles gajos que saem à noite de t-shirt - nem digo no Inverno; mesmo no Verão eu não consigo sair à noite só com uma t-shirt vestida. No mínimo, uma camisolinha pelas costas. Depois da meia-noite sabe sempre bem. Mas depois vejo os gajos que saem só de t-shirt, e sinto que a minha vida nunca vai ser tão boa como a deles. Elas gostam é de gajos assim. Gajos sem frio. Com estilo. Alguns até usam gel. O que é que eu estou a fazer neste bar? Ainda por cima tenho a camisola pousada em cima da perna a fazer calor. Fica mal. Podia guardá-la no bengaleiro, mas se calhar a gente já se vai embora e a fila está enorme. Só que assim corro o risco de lhe entornar cerveja em cima. Isto depois é chato de lavar. Que se lixe, vou-me deixar ficar como estou. De qualquer das formas não ia engatar ninguém. Está-me a dar vontade de cagar, será que esta casa-de-banho é das boas? Vou espreitar. Deixa-me só pegar no meu pacote de lenços e no livro de bolso que trouxe comigo para o caso de ter de estar à espera.

Querido Diário, sabes quando o Bugs Bunny e o Daffy Duck vão parar a uma ilha deserta, não têm que comer, apanham demasiado sol, e olham um para o outro e vêm um bife e uma coxa de frango? Tenho a impressão que quando saio à noite me acontece o mesmo, mas ao contrário. As mulheres olham para mim e para os meus agasalhos e vêm metade do caroço de uma azeitona podre, ou uma espinha, ou um cabelo na sopa. Há aquele ditado que diz que um homem prevenido vale por dois, e eu às vezes gosto de me iludir e de pensar que sim, que valho por dois homens, mas é só às vezes, no fundo eu sei que tudo o que fica para lá de ter um canivete suíço no bolso das calças já não é de homem.

Quem me dera ser um daqueles gajos que saem à noite de t-shirt.


0 Comentários:

Enviar um comentário

<<< Página Inicial >>>